Política

Após operação que deixou 121 m0rt0s, Moraes decide que Governador do RJ será dem… Ler mais

O clima no Rio de Janeiro é de tensão e expectativa nesta segunda-feira (3). O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desembarca na capital fluminense para uma audiência decisiva com o governador Cláudio Castro (PL). O encontro, marcado para as 11h no Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), busca esclarecer os desdobramentos da megaoperação policial que resultou em 121 mortes nos complexos da Penha e do Alemão — uma das ações mais letais da história recente do estado. A reunião ocorre sob forte atenção política, jurídica e social, em meio a acusações de violação das diretrizes impostas pela ADPF das Favelas, decisão do STF que limita operações policiais em comunidades durante a pandemia e estabelece protocolos rígidos de transparência e controle.

A presença de Moraes no Rio não é casual. O ministro é relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”, e tem acompanhado de perto denúncias de abusos cometidos em incursões policiais nas periferias do estado. Desde 2020, o STF exige que operações sejam devidamente justificadas e comunicadas ao Ministério Público. Contudo, a recente operação nos complexos da Penha e do Alemão, que envolveu centenas de agentes e o uso de blindados e helicópteros, reacendeu o debate sobre o uso desproporcional da força e a falta de prestação de contas por parte das autoridades fluminenses.

A audiência promete ser um divisor de águas na relação entre o Supremo e o governo estadual. Além de Cláudio Castro, estarão presentes o secretário de Segurança Pública do Rio, Victor dos Santos, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, o delegado-geral da Polícia Civil, Marcus Amim, e o diretor da Superintendência-Geral de Polícia Técnico-Científica. Moraes deve exigir relatórios detalhados sobre a operação, incluindo dados sobre planejamento, execução, identificação das vítimas e o cumprimento dos protocolos da ADPF. Fontes próximas ao ministro afirmam que ele pretende “avaliar pessoalmente se houve desrespeito à decisão do Supremo e se o Estado do Rio mantém o compromisso com a legalidade e os direitos humanos”.

A megaoperação, realizada na semana passada, foi justificada pelo governo fluminense como uma “ação integrada contra o crime organizado”, voltada à captura de líderes de facções criminosas. No entanto, organizações de direitos humanos e moradores da região contestam a narrativa oficial, denunciando execuções sumárias, invasões de domicílios e impedimento de socorro a feridos. A Defensoria Pública do Estado e o Ministério Público já anunciaram a abertura de investigações paralelas. A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ também solicitou acesso aos laudos periciais e à lista oficial de mortos e feridos — documentos ainda não divulgados integralmente.

O encontro de Moraes com o prefeito Eduardo Paes, previsto para as 18h, deve abordar outro ponto sensível: o impacto social e urbano das operações policiais nas comunidades cariocas. Paes tem sido cobrado por movimentos sociais e parlamentares para adotar medidas de apoio emergencial a famílias afetadas pela violência e pela suspensão de serviços públicos durante as incursões. O prefeito, que tem se posicionado de forma mais crítica em relação à política de segurança do estado, deve propor maior coordenação entre o município e o governo estadual para evitar tragédias semelhantes.

Especialistas em segurança pública alertam que a visita do ministro pode marcar o início de uma nova fase de supervisão federal sobre as ações policiais no Rio. “A ADPF das Favelas foi uma resposta institucional à escalada da violência nas comunidades. O que vemos agora é um teste à sua efetividade”, explica a socióloga e pesquisadora Carolina Grillo, do Núcleo de Estudos da Violência da UFRJ. Segundo ela, o Supremo pode determinar novas medidas de controle, como auditorias externas e transparência obrigatória de dados sobre operações. “Se o STF entender que houve descumprimento, as consequências jurídicas e políticas podem ser severas”, completa.

O caso reacende uma ferida antiga: o dilema entre segurança e direitos humanos no Rio de Janeiro. Enquanto parte da população cobra ações firmes contra o tráfico e a criminalidade, outra parcela denuncia que as operações policiais transformaram comunidades inteiras em zonas de guerra. O governo Castro, por sua vez, tenta equilibrar o discurso de combate ao crime com a pressão por respeito à vida e à legalidade. Com a repercussão nacional e o olhar atento do STF, o encontro desta segunda-feira pode definir o rumo das políticas de segurança pública do estado nos próximos meses — e talvez, de toda a federação.

A reunião entre Alexandre de Moraes e Cláudio Castro representa mais do que um simples pedido de explicações: é um embate entre dois modelos de Estado. De um lado, a autonomia das forças policiais e o discurso da “guerra ao crime”; do outro, a defesa dos direitos fundamentais e o controle judicial das ações do Executivo. Em um país onde a violência nas favelas é rotina e a impunidade ainda predomina, o desfecho desse diálogo pode sinalizar se o Brasil caminha rumo a uma segurança pública mais responsável — ou se continuará repetindo os mesmos erros que têm custado centenas de vidas todos os anos.